A inquietude necessária para a evasão de um voo poético
A existência deserta da cultura e arte mais não será do que, um desolador retrato duma vida à qual faltou o encanto de uma alma sensível, ou a inquietude necessária, para a evasão de um voo poético…
Não é o que acontece com a pintora Manuela Mendes da Silva, a quem se reconhece uma inquietude quase compulsiva na constante busca do belo, através duma construção de mundos, algures situados entre o real e o imaginário e onde os rasgos de movimentos ousados, sobretudo nas suas pinturas de maiores dimensões, se transformam em pinceladas pictóricas fascinantes, deixando escapar um turbilhão de emoções que nos deslumbram, ao invadirem poéticamente o nosso eu mais sensível. Trata-se da descoberta de uma beleza e duma arte capaz de reinventar paisagens encantatórias, que nascem de céus pintados de intensos azuis, ou de envolventes luares e neblinas, para lá dos voos inventados que aves mitológicas e enigmáticas parecem desenhar no crepúsculo do entardecer, numa estonteante dança poética, à mistura com as cores deslumbrantes de todos os Outonos, em mundos que nos surpreendem com uma abstracção e contemporaneidade de tal modo sensíveis que, como que somos levados a viajar pelos dias, aparentemente sem tempo, ocultos na sombra das memórias existenciais. Não se iluda quem pensa tratar-se de coisa fácil, qualquer que seja a forma de criatividade, quer ela seja pintada com as cores selecionadas pelo artista, ou com poemas escritas como fazem os poetas e a propósito, ocorre-me recordar as palavras do grande poeta japonês Matsuo Bashô:” Na verdade, desde que comecei a escrever poesia nunca mais tive paz comigo mesmo, ondeando sempre entre dúvidas de toda a espécie.” A fruição da arte será pois e também, uma forma de sentir, situada algures no domínio filosófico e poético, por vezes na imobilidade de um silêncio que nos é imposto por uma quase desconhecida ou indefinível entidade que nos habita a alma, qual espírito inquieto, eternamente sedento de outras realidades, as quais busca incessantemente pelos caminhos estreitos e mais ou menos complexos do conhecimento, dispensando muitas vezes a racionalidade.
De referir que Manuela Mendes da Silva, é detentora de um vasto currículo académico e profissional e do qual se destaca apenas uma parte: é licenciada em pintura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto, hoje Faculdade de Belas Artes, exerceu funções docentes, está representada no “European Art Museum”, consta em várias referências bibliograficas a nível nacional e internacional. Foi ainda convidada a participar com as suas criações artísticas no Festival Internacional de Cinema do Porto-Fantasporto, considerado um dos melhores do mundo. Está representada em várias colecções nacionais e internacionais, tais como: Paris, Bruxelas, Joanesburgo, Dubai, Boston, Tóquio, S. Paulo e Chicago.
Será pois sob a influência de um silêncio suficientemente ruidoso e de um turbilhão de emoções que, na solidão do seu atelier, qual mundo onde o espírito deambula sempre em desafio que esta artista numa quase permanente inquietação a caminho da criatividade, talvez sonhe e o tamanho dos sonhos pode ser ilimitado, quando o real e o imaginário se confrontam e viajam livremente para lá deles próprios e se fundem depois, resultando daí duma forma quase inusitada as obras de arte de Manuela Mendes da Silva, com a sua singularidade própria e para a qual não se definem limites prévios. Daí que, para entender a sua arte seja indispensável uma leitura sensível de quem vê com os olhos da alma, de quem assim descobre outros mundos, onde o indizível se perdeu na insondável imensidão do azul profundo do mar, à mistura com o som, porque não poético, dos suaves vendavais, ou nos deslumbrantes poentes de fogo onde se podem inscrever fascinantes poemas de sombras e luz, no espaço subtilmente habitado de um silêncio musical que se adivinha nas penumbras distantes, fazendo com que uma marcante e mágica fruição das suas pinturas nos fascine por muito tempo.
Ninguém poderá no meu entender, descrever uma obra de arte duma forma objectiva ou com rigor científico, porque ela é diferente para cada um que a observa, sobretudo no que respeita às emoções singulares que despertam em cada um de nós e que estarão relacionadas com a sensibilidade e cultura com que as olhamos. Nem sempre os silêncios pintados de intensos Outonos emergindo de pálidos nevoeiros, ou os perfumes que a partir deles inventamos, trazidos por ventos melódicos de longínquos tempos, conseguem despertar-nos para as vivências gratificantes e mágicas que estas obras de arte podem proporcionar-nos, se não aprendermos a escutar a voz da alma poética que reside em nós. Assim o entendia, uma das primeiras ou mesmo a mais importante e enigmática artista abstracta do século XX-
Georgina O’Keffe: «Julgo que os momentos que mais apreciamos são aqueles em que, de forma inesperada, forçamos dentro de nós algo que precisava ser».
ISOLINA CARVALHO
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